terça-feira, 27 de outubro de 2009

Simone de Beauvoir e a rua no DF.

enviado pelo bicicleteiro Delano:

as impressões de Simone de Beauvoir quando passou por Brasília junto com Sartre, em uma viagem de dois meses pelo Brasil, ainda em 1960 (trechos do seu diário "Sob o Signo da História").
À noite, enfim, chegamos a Brasília. Uma maquete em tamanho natural. Essa falta de humanidade salta logo aos olhos… Só se pode circular de automóvel… A rua, esse lugar de encontro entre moradores e turistas, lojas e residências, sempre imprevista — a rua, tão cativante em Chicago como no Rio, por vezes deserta e sonhadora, mas cujo silêncio é vivo. A rua em Brasília não existe nem existirá.

Cidade livre (Núcleo Bandeirante)
A impressão é de uma cidade do faroeste...a calçada é uma confusão; pisam-nos os pés, a poeira avermelha nossos sapatos, entra em nossos ouvidos, irrita nossas narinas, arranha nossos olhos, o sol nos castiga. No entanto, nos sentimos felizes, porque nos reencontramos na terra dos homens.

Freqüentemente acontecem incêndios; a madeira, naquela secura, inflama-se com rapidez; pouco antes de nossa chegada um quarteirão pegara fogo; não houve vítimas, mas viam-se, por toda parte, escombros, destroços, móveis enegrecidos, sucata, colchões rasgados. Esquecíamos, porém, essa tristeza, vendo pelas ruas da Cidade Livre os candangos abraçando-se e rindo. Eles não riam em Brasília.

Jorge Amado reconhecia que Brasília era um mito...Guardo a impressão de ter visto nascer um monstro, cujo coração e pulmão funcionam artificialmente, graças a processos de um custo mirabolante.



Pois que seja. Um brinde aos órgãos não artificiais de Brasília. E às ruas que em todo o DF, quando existem, não nasceram apenas, mas foram paridas. Sem esse planejamento que se tornou familiar. E assim há de seguir sendo para cada rua que heroicamente teime, exista e persista, no centro ou à volta. Pois se a sina brasiliense era jamais existirem, não sei em quê colabora a tendência dos condomínios fechados (mais as fortalezas para trabalho, para consumo e para alguma diversão, e suas interligações rodoviárias, tudo sobrevalorizado pelo medo quando não diretamente pelo abismo social).
Enquanto até no interior do próprio Brasil ainda se experimenta, e aqui e ali mundo afora se fala em "cidade sem carros", nossas capitais perseguem a proeza dos "carros sem cidade". Nossos capitais. Nesse sentido toda resistência é válida, e os vários focos talvez devessem convergir.
De modo bem simples, riqueza cultural tem a ver com sinapses criadas entre diferentes pessoas.
Matar a rua é o legado elementar do motor no deslocamento. Do mesmo modo, celebrar na rua a própria cultura será sempre uma nova afronta ao motorpólio e aos "custos mirabolantes" que mantêm nossa respiração artificial.
Mais cultura,
...menos carros.

Um comentário:

  1. Será que um dia vamos desclassificar Niemeyer do posto sagrado de gênio...

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