quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Transportes: vias engarrafadas e sistema público ineficiente

DF já tem 1,2 milhão carros, e a frota cresce em ritmo acelerado, aumentando os engarrafamentos e diminuindo a qualidade de vida. Usuários do transporte público reclamam da precariedade do serviço.

Moradoras de Samambaia, a doméstica Eleonoura Silva Resende e a secretária Fernanda de Freitas não se conhecem, mas enfrentam todos os dias o mesmo transtorno para chegar ao trabalho, no Plano Piloto. Elas não têm carro e acordam muito cedo para chegar no horário. São mais de 60 quilômetros para ir e voltar. Eleonoura vai de ônibus; Fernanda, de metrô.


Eleonoura espera. O primeiro desafio é conseguir entrar no ônibus lotado, desgaste comum a todos que dependem do transporte público. “Todo dia vai todo mundo pendurado”, reclama um passageiro.

Do outro lado da cidade, para chegar ao metrô, Fernanda também passa por aperto no microônibus. “É sempre assim, todos dias”, conta. Tem passageiro que quase senta no colo do motorista. “Tem pouco ônibus para roda”, desabafa o ajudante de pedreiro Valdir Mesquita.

O governo diz que são quase três mil ônibus circulam no DF, distribuído em 967 linhas. Para Eleonoura, esses números que não fazem diferença. “Todos os dias eu vou em pé”, relata. “Tem dia que nem o pé levanta do lugar”, detalha o auxiliar de serviços gerais, Manoel de Souza.

Enquanto isso, Fernanda sai do aperto do microônibus para se espremer no metrô, situação vivida por 160 mil passageiros, que pagam tarifa de até R$ 3 para se apoiar nos poucos espaços que sobram nos vagões. “Às cinco, seis horas da tarde, você tem que esperar dois, três trens passar pra você conseguir entrar”, conta a babá Andréa da Silva. Atualmente, 42 km de linhas ligam o Plano Piloto a apenas cinco cidades. São 24 estações e 21 trens.

Voltando ao ônibus, Eleonoura consegue um lugar, mas a situação desanima: o veículo tem fiação exposta e defeitos na janela, na porta e na campainha. O governo afirma que 1.950 ônibus, o que corresponde a 64% da frota, foram renovados nos últimos dois anos, mas os passageiros questionam esses dados. “A gente paga caro pAra ir em pé, às vezes se machucando. O pessoal dá cotoveladas, então, o jeito seria colocar mais ônibus”, avalia a servente Edimeire da Silva Pereira.

Apesar de não ter aumento há quase cinco anos, a passagem do DF é a mais cara do país, chega a R$ 3 em algumas linhas. Os problemas se multiplicam e os passageiros também. Por dia, cerca de um milhão de pessoas utilizam o transporte público no DF, parte delas esquecida pelo sistema. “Passa na televisão [ônibus] com rampa, mas eu nunca peguei um ônibus com rampa”, diz a dona de casa Maiara de Jesus Silva.

O DFtrans diz que 950 ônibus com rampa circulam no DF, o que corresponde a um terço da frota, mas esse números não convencem Maiara, que tem um filho de quatro anos portador de necessidades especiais. “Se estiver só, eles não param. Os que param já aceleram antes de eu colocar a cadeira direito, não têm paciência”, reclama.

Fernanda saiu do metrô e pegou mais um ônibus. Em uma hora e quarenta minutos, ela pegou três conduções e já chega no trabalho exausta. Eleonoura, que pegou um ônibus só, gastou uma hora e vinte minutos para chegar no seu destino.

Sem alternativas, a população recorre ao transporte próprio, que mal funciona. Quem pode, tira o carro da garagem. A frota do DF só aumenta, mas, em vez de conforto, o motorista acaba ganhando muita dor de cabeça.

Proporcionalmente, o DF tem a frota que mais cresce em todo país. São cerca de 300 carros novos por dia, e o número de veículos dobrou na última década. De acordo com o Detran, já mais de um milhão de veículos, o que daria para transportar toda a população de uma vez só - e com folga.

Que direção tomar? Para o especialista em trânsito David Duarte, alargar vias e construir viadutos ajuda, mas incentiva o uso do carro - o que piora a situação a longo prazo. “Não existe solução para o trânsito sem um investimento para melhorar substancialmente a qualidade do transporte público. O remédio para isso é investir menos em vias pra carros e investir mais em outras formas de mobilidade”, defende.

A auxiliar de serviços gerais acredita que as eleições podem mudar esse quadro. “A gente tem que saber em quem votar”, diz. “Votar em uma pessoa que não esteja querendo ganhar um cargo, mas queira trazer algo melhor pra sociedade”, aposta o recepcionista Jadson Antônio.

Nesta sexta-feira (24), a série especial sobre as eleições vai falar sobre as carências de opções de lazer e cultura no DF.

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